O homem lembra-se de antigas caçadas em que se
degolavam os animais com os dentes e as mulheres
corriam à frente dos cavalos até aos caniçais. Era
o tempo da tortura, da glorificação, das raposas. O
tempo em que as cobras invadiam os festins, assobiando
pelas mesas. Um marinheiro procura em vão a sua
casa nas terras dos Feaces após os naufrágios. Entra
pelo rio do inferno e em todos os lugares habitados por
monstros. É invencível apesar de desfeito pelo sal.
Quando surge na praia é como um barco
encostado a um pontão, petrificado pelos limos.
Como se um deus o tivesse transformado numa ilha
e nela habitasse uma jovem mulher, a grega, a das
vestes brilhantes.
EM - LACRIMATÓRIA - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
sábado, 31 de dezembro de 2011
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
Magnólia - MIGUEL TORGA
Uma flor.
Uma cor
Acordada.
Uma vida feliz,
Que o diz
Numa voz perfumada.
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
Uma cor
Acordada.
Uma vida feliz,
Que o diz
Numa voz perfumada.
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
Paz - NATÁLIA CORREIA
Irreprimível natureza
exacta medida do sem-fim
não atinjas outras distâncias
que existem dentro de mim.
Que os meus outros rostos não sejam
o instável pretexto da minha essência.
Possam meus rios confluir
para o mar duma só consciência.
Quero que suba à minha fronte
a serenidade desta condição:
harmonia exterior à estátua
que sabe que não tem coração.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
exacta medida do sem-fim
não atinjas outras distâncias
que existem dentro de mim.
Que os meus outros rostos não sejam
o instável pretexto da minha essência.
Possam meus rios confluir
para o mar duma só consciência.
Quero que suba à minha fronte
a serenidade desta condição:
harmonia exterior à estátua
que sabe que não tem coração.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
Penetrações - JORGE SOUSA BRAGA
Constatou-se a existência de mil e
Trezentas e quinze fendas
Na observação de seiscentos e setenta
E cinco hímenes de tipo semilunar
Isoladas na sua maioria e apenas
Num caso interessando a fossa navicular
EM - A FERIDA ABERTA - JORGE SOUSA BRAGA - ASSÍRIO & ALVIM
Trezentas e quinze fendas
Na observação de seiscentos e setenta
E cinco hímenes de tipo semilunar
Isoladas na sua maioria e apenas
Num caso interessando a fossa navicular
EM - A FERIDA ABERTA - JORGE SOUSA BRAGA - ASSÍRIO & ALVIM
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
A quarta porta - MANUEL ANTÓNIO PINA
É a solidão
o que o coração procura,
como poderei não
saber o que não sei?
Estou cada vez mais longe de qualquer coisa,
regressarei alguma vez
a tudo o que há-de vir?
O que está atrás de ti
é a imagem
que o Futuro persegue.
Este é um lado de tudo
e o outro é o mesmo e o outro.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
o que o coração procura,
como poderei não
saber o que não sei?
Estou cada vez mais longe de qualquer coisa,
regressarei alguma vez
a tudo o que há-de vir?
O que está atrás de ti
é a imagem
que o Futuro persegue.
Este é um lado de tudo
e o outro é o mesmo e o outro.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
29 - ARMANDO SILVA CARVALHO
Ver tamanha beleza na flacidez das carnes,
nos pedúnculos dos braços,
ó doente acamada,
mas tão desenvolta em orquestrar as arestas diárias,
o curso metabólico do sangue,
atenta aos ruídos mínimos desse exercício
invasor, pesado, progressivo,
labareda da dor, matéria infatigável
do cansaço.
EM - DE AMORE - ARMANDO SILVA CARVALHO - ASSÍRIO & ALVIM
nos pedúnculos dos braços,
ó doente acamada,
mas tão desenvolta em orquestrar as arestas diárias,
o curso metabólico do sangue,
atenta aos ruídos mínimos desse exercício
invasor, pesado, progressivo,
labareda da dor, matéria infatigável
do cansaço.
EM - DE AMORE - ARMANDO SILVA CARVALHO - ASSÍRIO & ALVIM
domingo, 25 de dezembro de 2011
O teu nome - ALEXANDRE O'NEILL
Flor de acaso ou ave deslumbrante,
Palavra tremendo nas redes da poesia,
O teu nome, como o destino, chega,
O teu nome, meu amor, o teu nome nascendo
De todas as cores do dia!
EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O'NEILL - ASSÍRIO & ALVIM
Palavra tremendo nas redes da poesia,
O teu nome, como o destino, chega,
O teu nome, meu amor, o teu nome nascendo
De todas as cores do dia!
EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O'NEILL - ASSÍRIO & ALVIM
sábado, 24 de dezembro de 2011
XIX - MÁRIO CESARINY
Muito acima das nuvens seja o centro
das nossas misteriosas poéticas
o irresistível anseio de viajar
um só momento trabalhado à mão
nos ermos mais altos
mais desaparecidos
EM - PENA CAPITAL - MÁRIO CESARINY - ASSÍRIO & ALVIM
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
Um campo aleatório - ANA HATHERLY
Seda vítrea
luz de neve
Frio agudo
alto céu
veludo e véu
Cintilação de Vida
construção
em si mesma infinita
A língua:
um campo aleatório
EM - O PAVÃO NEGRO - ANA HATHERLY - ASSÍRIO & ALVIM
luz de neve
Frio agudo
alto céu
veludo e véu
Cintilação de Vida
construção
em si mesma infinita
A língua:
um campo aleatório
EM - O PAVÃO NEGRO - ANA HATHERLY - ASSÍRIO & ALVIM
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
Depois de tantos anos* - LUÍS FALCÃO
Depois de tantos anos
ver-te
Queimando incenso num templo
Finjo não entender
O desaparecimento da luz
Que me era destinada
E regresso a casa por outro caminho.
EM - PÉTALAS NEGRAS ARDEM NOS TEUS OLHOS - LUÍS FALCÃO - ASSÍRIO & ALVIM
ver-te
Queimando incenso num templo
Finjo não entender
O desaparecimento da luz
Que me era destinada
E regresso a casa por outro caminho.
EM - PÉTALAS NEGRAS ARDEM NOS TEUS OLHOS - LUÍS FALCÃO - ASSÍRIO & ALVIM
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Lacrimatória 50 - JAIME ROCHA
É ela, a mulher, roçando pela areia, desfazendo
a seda do casulo, lentamente, como se os seus
cabelos saíssem daquele livro, onde tudo está
inscrito, a paixão derradeira e os objectos
musicais. O seu corpo é um lírio fortalecido pelos
cavalos. Os seus dedos cruzam-se com a morte
dos pássaros. Lizzie anda pela humidade com as
veias expostas ao calor. Arruína a ilha com o sangue,
dissolve-se na erva. Depois, vem a escuridão e um
sorriso coberto de veneno. Já não traz óleo sobre a
pele, nem os corvos se atiram contra o perfume dos
vestidos. A agonia devora o nevoeiro e nada mais
existe do que uma sombra, o fim.
É esta a fala do homem, antes da morte.
EM - LACRIMATÓRIA - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
a seda do casulo, lentamente, como se os seus
cabelos saíssem daquele livro, onde tudo está
inscrito, a paixão derradeira e os objectos
musicais. O seu corpo é um lírio fortalecido pelos
cavalos. Os seus dedos cruzam-se com a morte
dos pássaros. Lizzie anda pela humidade com as
veias expostas ao calor. Arruína a ilha com o sangue,
dissolve-se na erva. Depois, vem a escuridão e um
sorriso coberto de veneno. Já não traz óleo sobre a
pele, nem os corvos se atiram contra o perfume dos
vestidos. A agonia devora o nevoeiro e nada mais
existe do que uma sombra, o fim.
É esta a fala do homem, antes da morte.
EM - LACRIMATÓRIA - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Convalescença - MIGUEL TORGA
Hora a hora,
Nasce outra vez em mim a vida.
Devagar,
Como um gomo de vide a rebentar,
Cobre de verde a cepa ressequida.
É um fruto que acena?
É uma flor que há-de ser?
- Fui eu que disse que valia a pena
Viver!
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
Nasce outra vez em mim a vida.
Devagar,
Como um gomo de vide a rebentar,
Cobre de verde a cepa ressequida.
É um fruto que acena?
É uma flor que há-de ser?
- Fui eu que disse que valia a pena
Viver!
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
Intoxicação - NATÁLIA CORREIA
Poetas do mar vinde trazer-me as vossas ondas.
Sou cidade. Onde bichos e anjos se devoram
por uma côdea de imortalidade.
Vinde trazer-me a espuma onde as auroras
balbuciam o princípio dum segredo
guardado pelas bocas luminosas
que a noite fende nos últimos rochedos.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
Sou cidade. Onde bichos e anjos se devoram
por uma côdea de imortalidade.
Vinde trazer-me a espuma onde as auroras
balbuciam o princípio dum segredo
guardado pelas bocas luminosas
que a noite fende nos últimos rochedos.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
domingo, 18 de dezembro de 2011
Canção - JORGE SOUSA BRAGA
Este esperma é puro
Como a água de um iceberg
Colhido por masturbação
Centrifugado capacitado...
Bebe deste esperma simples
Ou com gelo e limão
Só assim conseguirás
A redenção
EM - A FERIDA ABERTA - JORGE SOUSA BRAGA - ASSÍRIO & ALVIM
Como a água de um iceberg
Colhido por masturbação
Centrifugado capacitado...
Bebe deste esperma simples
Ou com gelo e limão
Só assim conseguirás
A redenção
EM - A FERIDA ABERTA - JORGE SOUSA BRAGA - ASSÍRIO & ALVIM
sábado, 17 de dezembro de 2011
A pura falta - MANUEL ANTÓNIO PINA
Tudo é sabido onde
alguma coisa fala de si própria
e de falar de isso
e de falar de falar.
Aquilo que está cada vez mais longe,
a pura falta de coisa nenhuma,
é o que Conhece e É
a sua indizível inexistência.
Nós, os maus, onde
é fora de fora de tudo,
eternamente regressamos
ao sítio de onde nunca saímos.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
alguma coisa fala de si própria
e de falar de isso
e de falar de falar.
Aquilo que está cada vez mais longe,
a pura falta de coisa nenhuma,
é o que Conhece e É
a sua indizível inexistência.
Nós, os maus, onde
é fora de fora de tudo,
eternamente regressamos
ao sítio de onde nunca saímos.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
25 - ARMANDO SILVA CARVALHO
A tua efígie foge-me, deixaste-a
adormecer sobre a almofada das tardes
últimas de maio
até chegar o dia dos teus anos.
Mas ela, ao acordar, entre as tuas amigas,
ficou junto de mim,
presa às fotografias moribundas.
EM - DE AMORE - ARMANDO SILVA CARVALHO - ASSÍRIO & ALVIM
adormecer sobre a almofada das tardes
últimas de maio
até chegar o dia dos teus anos.
Mas ela, ao acordar, entre as tuas amigas,
ficou junto de mim,
presa às fotografias moribundas.
EM - DE AMORE - ARMANDO SILVA CARVALHO - ASSÍRIO & ALVIM
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
Os amantes de Novembro - ALEXANDRE O'NEILL
Ruas e ruas dos amantes
Sem um quarto para o amor
Amantes são sempre extravagantes
E ao frio também faz calor
Pobres amantes escorraçados
Dum tempo sem amor nenhum
Coitados tão engalfinhados
Que sendo dois parecem um
De pé imóveis transportados
Como uma estátua erguida num
Jardim votado ao abandono
De amor juncado e de outono.
EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O'NEILL - ASSÍRIO & ALVIM
Sem um quarto para o amor
Amantes são sempre extravagantes
E ao frio também faz calor
Pobres amantes escorraçados
Dum tempo sem amor nenhum
Coitados tão engalfinhados
Que sendo dois parecem um
De pé imóveis transportados
Como uma estátua erguida num
Jardim votado ao abandono
De amor juncado e de outono.
EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O'NEILL - ASSÍRIO & ALVIM
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
XVI - MÁRIO CESARINY
A vida
às portas da vida
e o azul masculino de um rio
Amor Ardente
de forma distinta
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
A alta pirâmide da fala II - ANA HATHERLY
Falar é
um saber amplo e profundo
indício
duma obsessão incurável
Os pontos ágeis da petulante fala
dobro
como se fossem uma súbita esquina
É uma longa caminhada
no sentido do outro
buscando
a esquiva consonância do encontro
EM - O PAVÃO NEGRO - ANA HATHERLY - ASSÍRIO & ALVIM
um saber amplo e profundo
indício
duma obsessão incurável
Os pontos ágeis da petulante fala
dobro
como se fossem uma súbita esquina
É uma longa caminhada
no sentido do outro
buscando
a esquiva consonância do encontro
EM - O PAVÃO NEGRO - ANA HATHERLY - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
Queria erguer-te... - LUÍS FALCÃO
Queria erguer-te um cântico
Que ressoasse entre os cânticos
Noite fora persegui uma palavra
Um diamante de fogo e silêncio
O amor permanece uma língua bárbara.
EM - PÉTALAS NEGRAS ARDEM NOS TEUS OLHOS - LUÍS FALCÃO - ASSÍRIO & ALVIM
Que ressoasse entre os cânticos
Noite fora persegui uma palavra
Um diamante de fogo e silêncio
O amor permanece uma língua bárbara.
EM - PÉTALAS NEGRAS ARDEM NOS TEUS OLHOS - LUÍS FALCÃO - ASSÍRIO & ALVIM
domingo, 11 de dezembro de 2011
Lacrimatória 21 - JAIME ROCHA
Mas o rosto dela está definitivamente gravado
no corpo do homem, solidificado nos seus olhos,
como um banco de coral. As suas lágrimas caem
na pedra, fabricando novos rochedos. É nessa visão
que os pássaros suspendem o voo, nesse enigma. A
figura de branco mistura-se com a ninfa amortalhada
e esta olha para a remadora como se habitassem num
vaso grego, num outro mausoléu esquecido nas
masmorras da ilha. ouve-se um grito, o som de um
suplício, e os ciprestes fecham-se tomando a forma
de uma árvore de fruto. Uma única árvore que cresce
subitamente ao lado do túmulo, escondendo o homem
dentro do tronco para que os outros não vejam a
imensidão da dor.
EM - LACRIMATÓRIA - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
no corpo do homem, solidificado nos seus olhos,
como um banco de coral. As suas lágrimas caem
na pedra, fabricando novos rochedos. É nessa visão
que os pássaros suspendem o voo, nesse enigma. A
figura de branco mistura-se com a ninfa amortalhada
e esta olha para a remadora como se habitassem num
vaso grego, num outro mausoléu esquecido nas
masmorras da ilha. ouve-se um grito, o som de um
suplício, e os ciprestes fecham-se tomando a forma
de uma árvore de fruto. Uma única árvore que cresce
subitamente ao lado do túmulo, escondendo o homem
dentro do tronco para que os outros não vejam a
imensidão da dor.
EM - LACRIMATÓRIA - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
sábado, 10 de dezembro de 2011
Testamento - MIGUEL TORGA
Na taça que eu lavrei quero que bebas
O segredo profundo dos meus dias;
E, dona do que é meu, de mim recebas
Toda a riqueza que não conhecias.
A taça é branca como um véu sem cor,
E o segredo nimbado de vazio;
Quero que a veja pois o teu amor,
E bebas só dum trago o luar frio.
Quero, depois, que quebres o cristal
De encontro à fraga dura da lembrança
Do Poeta que fui ao natural
Junto de ti a trabalhar na herança.
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
O segredo profundo dos meus dias;
E, dona do que é meu, de mim recebas
Toda a riqueza que não conhecias.
A taça é branca como um véu sem cor,
E o segredo nimbado de vazio;
Quero que a veja pois o teu amor,
E bebas só dum trago o luar frio.
Quero, depois, que quebres o cristal
De encontro à fraga dura da lembrança
Do Poeta que fui ao natural
Junto de ti a trabalhar na herança.
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
A exaltação da pele - NATÁLIA CORREIA
Hoje quero com a violência da dádiva interdita.
Sem lírios e sem lagos
e sem o gesto vago
desprendido da mão que um sonho agita.
Existe a selva. Existe o instinto. E existo eu
suspensa de mundos cintilantes pelas veias
metade fêmea metade mar como as sereias.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
Sem lírios e sem lagos
e sem o gesto vago
desprendido da mão que um sonho agita.
Existe a selva. Existe o instinto. E existo eu
suspensa de mundos cintilantes pelas veias
metade fêmea metade mar como as sereias.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
Laboratório - JORGE SOUSA BRAGA
Tinham quatro células os embriões
Observados assim ao microscópio
Pareciam pães de Padronelo
Polvilhados de branca farinha
EM - A FERIDA ABERTA - JORGE SOUSA BRAGA - ASSÍRIO & ALVIM
Observados assim ao microscópio
Pareciam pães de Padronelo
Polvilhados de branca farinha
EM - A FERIDA ABERTA - JORGE SOUSA BRAGA - ASSÍRIO & ALVIM
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
Antes do princípio - MANUEL ANTÓNIO PINA
Este é o traidor, o filho
os seus puros olhos param
debaixo da cabeça,
em silêncio percorrem a Morte,
o passado, as palavras omitidas.
Só aquele através de cujo horror
a Literatura escrever
se tornam faladores.
aqui está a calúnia, o silêncio,
aquilo que não tem nada para dizer,
eu morro debaixo de isto e de tudo
e tudo isto é sabido para mim.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
os seus puros olhos param
debaixo da cabeça,
em silêncio percorrem a Morte,
o passado, as palavras omitidas.
Só aquele através de cujo horror
a Literatura escrever
se tornam faladores.
aqui está a calúnia, o silêncio,
aquilo que não tem nada para dizer,
eu morro debaixo de isto e de tudo
e tudo isto é sabido para mim.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
terça-feira, 6 de dezembro de 2011
20 - ARMANDO SILVA CARVALHO
Não revolvam as casas
nesse escoar das águas de lavagens
que te entopem os nervos, ao contemplares o lixo,
acamado, vivo, no canto mais infeliz
da garganta e da sala.
EM - DE AMORE - ARMANDO SILVA CARVALHO - ASSÍRIO & ALVIM
nesse escoar das águas de lavagens
que te entopem os nervos, ao contemplares o lixo,
acamado, vivo, no canto mais infeliz
da garganta e da sala.
EM - DE AMORE - ARMANDO SILVA CARVALHO - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
Poesia e propaganda - ALEXANDRE O'NEILL
Hei-de mandar arrastar com muito orgulho,
Pelo pequeno avião da propaganda
E no céu inocente de Lisboa,
Um dos meus versos, um dos meus
mais sonoros e compridos versos:
E será um verso de amor...
EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O'NEILL - ASSÍRIO & ALVIM
Pelo pequeno avião da propaganda
E no céu inocente de Lisboa,
Um dos meus versos, um dos meus
mais sonoros e compridos versos:
E será um verso de amor...
EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O'NEILL - ASSÍRIO & ALVIM
domingo, 4 de dezembro de 2011
V - MÁRIO CESARINY
Katyn?
Grande Descoberta!
O homem encontra
com tão pouco esforço
o pus o sangue
a peste a guerra
EM - PENA CAPITAL - MÁRIO CESARINY - ASSÍRIO & ALVIM
Grande Descoberta!
O homem encontra
com tão pouco esforço
o pus o sangue
a peste a guerra
EM - PENA CAPITAL - MÁRIO CESARINY - ASSÍRIO & ALVIM
sábado, 3 de dezembro de 2011
A alta pirâmide da fala I - ANA HATHERLY
A alta pirâmide da fala
o que é?
o que é que realmente expressa?
Uma efémera aliança
se esconde no enigma do sentido
no mistério do acidente
Tudo são zonas de silêncio
e intervalo
Um emaranhado só
EM - O PAVÃO NEGRO - ANA HATHERLY - ASSÍRIO & ALVIM
o que é?
o que é que realmente expressa?
Uma efémera aliança
se esconde no enigma do sentido
no mistério do acidente
Tudo são zonas de silêncio
e intervalo
Um emaranhado só
EM - O PAVÃO NEGRO - ANA HATHERLY - ASSÍRIO & ALVIM
sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
Só os corvos... - LUÍS FALCÃO
Só os corvos e um monge
Procuravam abrigo no claustro
Perante o ícone seu corpo tremia
E subitamente
A neve
O mundo inteiro irreconhecível
o amor a arder por entre as rosas.
EM - PÉTALAS NEGRAS ARDEM NOS TEUS OLHOS - LUÍS FALCÃO - ASSÍRIO & ALVIM
Procuravam abrigo no claustro
Perante o ícone seu corpo tremia
E subitamente
A neve
O mundo inteiro irreconhecível
o amor a arder por entre as rosas.
EM - PÉTALAS NEGRAS ARDEM NOS TEUS OLHOS - LUÍS FALCÃO - ASSÍRIO & ALVIM
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Lacrimatória 17 - JAIME ROCHA
O homem vê um barco aproximar-se. Um
destroço errante que navega à deriva, sem mestre,
trazendo três figuras conhecidas, aprisionadas no
convés, o cavaleiro, o homem da montanha e o
guerreiro. Um anjo negro recolhe-os, ajudado pela
figura de branco. Vêm amarrados por cabos de aço,
como destroçados, como se saíssem de um desastre.
Procuram uma última morada junto do túmulo da
mulher. O pedreiro finge que não os vê, empenhado
que está na reconstrução da ilha. Mas um corpo
vermelho surgido de uma das fendas da muralha
trá-los para o presente. Os olhos deles ficam
devorados por um turbilhão de luz como se
olhassem para uma cidade incendiada.
EM - LACRIMATÓRIA - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
destroço errante que navega à deriva, sem mestre,
trazendo três figuras conhecidas, aprisionadas no
convés, o cavaleiro, o homem da montanha e o
guerreiro. Um anjo negro recolhe-os, ajudado pela
figura de branco. Vêm amarrados por cabos de aço,
como destroçados, como se saíssem de um desastre.
Procuram uma última morada junto do túmulo da
mulher. O pedreiro finge que não os vê, empenhado
que está na reconstrução da ilha. Mas um corpo
vermelho surgido de uma das fendas da muralha
trá-los para o presente. Os olhos deles ficam
devorados por um turbilhão de luz como se
olhassem para uma cidade incendiada.
EM - LACRIMATÓRIA - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
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