Já não era exactamente um anjo aquilo
que se via acenando na falésia e também
não se parecia com um monstro de um só olho.
Os pássaros haviam regressado antes da maré
e depararam com um velho sacerdote,
uma figura do tamanho de um dólmen
com uma asa entre as omoplatas e duas
hienas sobre os pés. Para o homem, aquilo
era o outro lado do anjo preto, porque à sua
volta ouvia-se o mesmo choro, seguido do
mesmo grito, a mesma assombração.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
Medo - MIGUEL TORGA
Ai a vida sem ti!...
Ai o sol a cair
Sem o mar a sentir
Que é puro fogo que recebe em si!...
Ai certas horas sem a tua mão
Leve e segura sobre o meu cabelo!...
Ai! o calvário do meu coração
Sem os teus dedos no meu pulso a vê-lo!,,,
Ai a triste negrura
Do deserto do fim
Sem o teu vulto junto à sepultura
A lembrar-se de mim!...
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
Ai o sol a cair
Sem o mar a sentir
Que é puro fogo que recebe em si!...
Ai certas horas sem a tua mão
Leve e segura sobre o meu cabelo!...
Ai! o calvário do meu coração
Sem os teus dedos no meu pulso a vê-lo!,,,
Ai a triste negrura
Do deserto do fim
Sem o teu vulto junto à sepultura
A lembrar-se de mim!...
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
domingo, 29 de janeiro de 2012
Vou das antíteses para o absoluto - NATÁLIA CORREIA
Não expulsarei os deuses e os demónios
que discutem a posse da minha alma.
Quero pregar-me na cruz dos ventos
e descer-me depois na manhã calma.
Eles que pintem minha pintura essencial
com o sangue onde me exigem a dor da vida.
Que sejam deuses e demónios a justificar
a imortalidade a que estou prometida.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
que discutem a posse da minha alma.
Quero pregar-me na cruz dos ventos
e descer-me depois na manhã calma.
Eles que pintem minha pintura essencial
com o sangue onde me exigem a dor da vida.
Que sejam deuses e demónios a justificar
a imortalidade a que estou prometida.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
sábado, 28 de janeiro de 2012
Natureza morta - JORGE SOUSA BRAGA
O homem está deitado de
Costas nu. A mulher senta-se
Sobre ele olhando-o de frente
As mãos assentes na cama
Com movimentos para cima e
Para baixo a respira-
Ção cada vez mais fremente
EM - A FERIDA ABERTA - JORGE SOUSA BRAGA - ASSÍRIO & ALVIM
Costas nu. A mulher senta-se
Sobre ele olhando-o de frente
As mãos assentes na cama
Com movimentos para cima e
Para baixo a respira-
Ção cada vez mais fremente
EM - A FERIDA ABERTA - JORGE SOUSA BRAGA - ASSÍRIO & ALVIM
sexta-feira, 27 de janeiro de 2012
20 - RICARDO REIS
Da lâmpada nocturna
A chama estremece
E o quarto alto ondeia.
Os deuses concedem
Aos seus calmos crentes
Que nunca lhes trema
A chama da vida
Perturbando o aspecto
Do que está em roda,
Mas firme e esguiada
Como preciosa
E antiga pedra,
Guarde a sua calma
Beleza contínua.
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
A chama estremece
E o quarto alto ondeia.
Os deuses concedem
Aos seus calmos crentes
Que nunca lhes trema
A chama da vida
Perturbando o aspecto
Do que está em roda,
Mas firme e esguiada
Como preciosa
E antiga pedra,
Guarde a sua calma
Beleza contínua.
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
Acontecimento - RUY BELO
Aí estás tu à esquina das palavras de sempre
amor inventado numa indústria de lábios
que mordem o tempo sempre cá
E o coração acontece-nos
como uma dádiva de folhas nupciais
nos nossos ombros de outono
Caiam agora pálpebras que cerrem
o sacrifício que em nossos gestos há
de sermos diários por fora
Caiam agora que o amor chegou
EM - TODOS OS POEMAS I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
amor inventado numa indústria de lábios
que mordem o tempo sempre cá
E o coração acontece-nos
como uma dádiva de folhas nupciais
nos nossos ombros de outono
Caiam agora pálpebras que cerrem
o sacrifício que em nossos gestos há
de sermos diários por fora
Caiam agora que o amor chegou
EM - TODOS OS POEMAS I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
16 - ÁLVARO DE CAMPOS
Através do ruído do café cheio de gente
Chega-me a brisa que passa pelo convés
Nas longas viagens, no alto mar, no verão
Perto dos trópicos (no amontoado nocturno do navio -
Sacudindo regularmente pela hélice palpitante -
Vejo passar os uniformes brancos dos oficiais de bordo).
E essa brisa traz um ruído de mar-alto, pluromar
E a nossa civilização não pertence à minha reminiscência.
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
Chega-me a brisa que passa pelo convés
Nas longas viagens, no alto mar, no verão
Perto dos trópicos (no amontoado nocturno do navio -
Sacudindo regularmente pela hélice palpitante -
Vejo passar os uniformes brancos dos oficiais de bordo).
E essa brisa traz um ruído de mar-alto, pluromar
E a nossa civilização não pertence à minha reminiscência.
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
terça-feira, 24 de janeiro de 2012
Poema - ALEXANDRE O'NEILL
No tempo em que os suicidas falavam
Amar-te teria consequências.
Mas teria?
Ou nem uma última ruga
Viria alterar a face das coisas
Dispô-las pela primeira vez a meu favor?
(Uma ruga que me deixasse para sempre limpo
Para sempre autêntico
E que imediatamente me recompensasse
Do acto por excelência cabotino
De desaparecer a deixar rasto
De desaparecer em contracção, em convulsão de teatro).
EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O'NEILL - ASSÍRIO & ALVIM
Amar-te teria consequências.
Mas teria?
Ou nem uma última ruga
Viria alterar a face das coisas
Dispô-las pela primeira vez a meu favor?
(Uma ruga que me deixasse para sempre limpo
Para sempre autêntico
E que imediatamente me recompensasse
Do acto por excelência cabotino
De desaparecer a deixar rasto
De desaparecer em contracção, em convulsão de teatro).
EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O'NEILL - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 23 de janeiro de 2012
Os rouxinóis do chão - MANUEL ANTÓNIO PINA
Rouxinóis guerreiros guardam
o chão de Ninomaru
seu canto unânime acorda
sob o tropel dos turistas
Às portas dos quartos não
se sobressaltam os guardas
nem as sentinelas chamam
do alto dos torreões
Onde os Tokugawa dormem
não chegam os inimigos
Das paredes pendem as
espadas embainhadas
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
o chão de Ninomaru
seu canto unânime acorda
sob o tropel dos turistas
Às portas dos quartos não
se sobressaltam os guardas
nem as sentinelas chamam
do alto dos torreões
Onde os Tokugawa dormem
não chegam os inimigos
Das paredes pendem as
espadas embainhadas
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
domingo, 22 de janeiro de 2012
Na noite mais escura - DULCE ANTUNES
Na noite mais escura
Respiro o teu corpo
Como uma suave brisa que entra pela janela
E contemplo o teu luar
Sonho contigo e acordo na amargura.
O teu aroma já não permanece na minha cama,
Partiu, o negro dos teus olhos não vejo mais.
Lágrimas não chorarei.
Assim quiseste partir e levar minha alma contigo
Permaneces em silêncio,
E nele ouço a tua voz
Em gritos profundos
Talvez seja eu, em meus sonhos que grite por ti,
Pela tua pele, para em teu abraço respirar o aroma do sofrimento,
Que deixaste embrenhado em meu corpo.
EM - POEMA EM TI - DULCE ANTUNES - TEMAS ORIGINAIS
Respiro o teu corpo
Como uma suave brisa que entra pela janela
E contemplo o teu luar
Sonho contigo e acordo na amargura.
O teu aroma já não permanece na minha cama,
Partiu, o negro dos teus olhos não vejo mais.
Lágrimas não chorarei.
Assim quiseste partir e levar minha alma contigo
Permaneces em silêncio,
E nele ouço a tua voz
Em gritos profundos
Talvez seja eu, em meus sonhos que grite por ti,
Pela tua pele, para em teu abraço respirar o aroma do sofrimento,
Que deixaste embrenhado em meu corpo.
EM - POEMA EM TI - DULCE ANTUNES - TEMAS ORIGINAIS
sábado, 21 de janeiro de 2012
Visão sete - JAIME ROCHA
O homem parou quando lhe viu o seu único
seio e vingou-se. Alguém, antes dele, a decepara.
As costas nuas tinham o tamanho do mármore,
riscadas por um ancinho. O sangue era morno,
caindo, como uma serpente. O seu rasto deixava
atrás de si um muro pequeno que se solidificava
com a respiração das aves. O homem quase perdeu
o medo, porque o que ele fazia era explicar-lhe
as diversas formas de morrer antes do amor.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
seio e vingou-se. Alguém, antes dele, a decepara.
As costas nuas tinham o tamanho do mármore,
riscadas por um ancinho. O sangue era morno,
caindo, como uma serpente. O seu rasto deixava
atrás de si um muro pequeno que se solidificava
com a respiração das aves. O homem quase perdeu
o medo, porque o que ele fazia era explicar-lhe
as diversas formas de morrer antes do amor.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
Voz - MIGUEL TORGA
Era o céu que sorria nos seus olhos,
Eram junquilhos trémulos aos molhos,
As flores do rosto que eu beijava.
Fresca e gratuita como um hino à lua,
Nua,
Era um mundo de paz que se entregava.
Oh! perfume da Vida! - gritei eu.
Oh! seara de trigo por abrir,
Quem te fez todo o pão da minha fome?
Mas os seus braços, longos e contentes,
<<<- Come.
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
Eram junquilhos trémulos aos molhos,
As flores do rosto que eu beijava.
Fresca e gratuita como um hino à lua,
Nua,
Era um mundo de paz que se entregava.
Oh! perfume da Vida! - gritei eu.
Oh! seara de trigo por abrir,
Quem te fez todo o pão da minha fome?
Mas os seus braços, longos e contentes,
<<<
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
quinta-feira, 19 de janeiro de 2012
O poeta e as víboras - NATÁLIA CORREIA
Baile dos corpos intermédios
com luas mortas nos braços
sem desenlace e sem consequência.
Dança da solidão de mim e de outros
comigo no centro ignorada.
Bailado das palavras
com suportes de morte imediata.
Rio sem águas e sem fundo
com margem numa boca emudecida.
Silvo de serpentes que rastejam
famintas para o vértice da vida
onde me aparto de cansaços inúteis.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
com luas mortas nos braços
sem desenlace e sem consequência.
Dança da solidão de mim e de outros
comigo no centro ignorada.
Bailado das palavras
com suportes de morte imediata.
Rio sem águas e sem fundo
com margem numa boca emudecida.
Silvo de serpentes que rastejam
famintas para o vértice da vida
onde me aparto de cansaços inúteis.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Tatuagem - JORGE SOUSA BRAGA
Tinha uma rosa negra tatuada
Num dos grandes lábios. E o
Púbis religiosamente depilado
Como de ervas daninhas se tratasse
EM - A FERIDA ABERTA - JORGE SOUSA BRAGA - ASSÍRIO & ALVIM
Num dos grandes lábios. E o
Púbis religiosamente depilado
Como de ervas daninhas se tratasse
EM - A FERIDA ABERTA - JORGE SOUSA BRAGA - ASSÍRIO & ALVIM
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
10 - RICARDO REIS
Diana através dos ramos
Espreita a vinda de Endimion
Endimion que nunca vem,
Endimion, Endimion,
Lá longe na floresta...
E a sua voz chamando
Vem através dos ramos
Calma através dos ramos
Endimion, Endimion...
Assim choram os deuses...
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
Espreita a vinda de Endimion
Endimion que nunca vem,
Endimion, Endimion,
Lá longe na floresta...
E a sua voz chamando
Vem através dos ramos
Calma através dos ramos
Endimion, Endimion...
Assim choram os deuses...
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Metamorfose - RUY BELO
Ó homem que passas tranquilo na rua
atrás de qualquer próximo perfume
e chegas a casa sem incidentes
ó homem que tens à espera de ti
virada a esquina da rua e do tempo o teu próprio rosto
não tenhas pena de quem morre
de árvore para árvore
e é diferente no princípio e no fim da rua
EM - TODOS OS POEMAS I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
atrás de qualquer próximo perfume
e chegas a casa sem incidentes
ó homem que tens à espera de ti
virada a esquina da rua e do tempo o teu próprio rosto
não tenhas pena de quem morre
de árvore para árvore
e é diferente no princípio e no fim da rua
EM - TODOS OS POEMAS I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
domingo, 15 de janeiro de 2012
13 - ÁLVARO DE CAMPOS
O melodioso sistema do Universo,
O grande festival pagão de haver o sol e a lua
E a titânica dança das estações
E o ritmo plácido das eclípticas
Mandando tudo estar calado.
E atender apenas ao brilho exterior do Universo.
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
O grande festival pagão de haver o sol e a lua
E a titânica dança das estações
E o ritmo plácido das eclípticas
Mandando tudo estar calado.
E atender apenas ao brilho exterior do Universo.
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
sábado, 14 de janeiro de 2012
O revólver de trazer por casa - ALEXANDRE O'NEILL
Querem fazer de mim o revólver de trazer por casa,
Fizeram já de mim o revólver de trazer por casa,
Aquele que toda a gente, uma, duas vezes na vida,
Encosta por teatro a um ouvido
Que acaba por se fechar envergonhado.
Um bom revólver domesticado:
Algumas noções de pré-suicídio, mas não mais,
Que a vida está muito cara e a aventura
Nem sequer devolve o barco que lhe mandam.
Quem espera por mim não espera por mim
E talvez me encontre por um acaso distraído.
Mas no meu obsceno monstruário de gestos,
Guardo o mais obsceno
Para quando a ilusão se der...
EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O'NEILL - ASSÍRIO & ALVIM
Fizeram já de mim o revólver de trazer por casa,
Aquele que toda a gente, uma, duas vezes na vida,
Encosta por teatro a um ouvido
Que acaba por se fechar envergonhado.
Um bom revólver domesticado:
Algumas noções de pré-suicídio, mas não mais,
Que a vida está muito cara e a aventura
Nem sequer devolve o barco que lhe mandam.
Quem espera por mim não espera por mim
E talvez me encontre por um acaso distraído.
Mas no meu obsceno monstruário de gestos,
Guardo o mais obsceno
Para quando a ilusão se der...
EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O'NEILL - ASSÍRIO & ALVIM
sexta-feira, 13 de janeiro de 2012
O intruso - MANUEL ANTÓNIO PINA
Se me voltar fico
diante do meu rosto,
não suportarei
o meu puro olhar.
Quem me procurará
entre os homens?
Um intruso grita
dentro de mim, oiço-o no coração
como um irmão medonho
sonhando a minha vida
por outro vivida
em mim, também um sonho.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
diante do meu rosto,
não suportarei
o meu puro olhar.
Quem me procurará
entre os homens?
Um intruso grita
dentro de mim, oiço-o no coração
como um irmão medonho
sonhando a minha vida
por outro vivida
em mim, também um sonho.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
Véu negro - DULCE ANTUNES
Véu negro no meu corpo
Seda escorre na minha pele
Deito-me em nuvens e caminho sobre espinho,
Espinhos que estão cravados no meu caminho.
Véu negro que me cobres o peito
Dor adormecida neste escuridão
São longas as noites em cetim preto,
Com sonhos perfumados pela imaginação.
Véu negro pintas o meu céu.
E tudo vejo em névoas cinzentas
Até o frio da noite me acordar
Deste sonho de desassossego
Caminhos irei sempre percorrer
Coberta pela tua luz, meu véu negro.
EM - POEMA EM TI - DULCE ANTUNES - TEMAS ORIGINAIS
Seda escorre na minha pele
Deito-me em nuvens e caminho sobre espinho,
Espinhos que estão cravados no meu caminho.
Véu negro que me cobres o peito
Dor adormecida neste escuridão
São longas as noites em cetim preto,
Com sonhos perfumados pela imaginação.
Véu negro pintas o meu céu.
E tudo vejo em névoas cinzentas
Até o frio da noite me acordar
Deste sonho de desassossego
Caminhos irei sempre percorrer
Coberta pela tua luz, meu véu negro.
EM - POEMA EM TI - DULCE ANTUNES - TEMAS ORIGINAIS
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Visão seis - JAIME ROCHA
Quando o sol nasceu no dia seguinte
trazia um sinal dourado numa das
pontas e um anel de prata onde
estavam gravadas todas as palavras.
Tratava-se de uma morte esperada,
decidida há muito entre os homens.
Era uma mulher que havia ressuscitado
do mar e a ele regressava com o corpo
mutilado. Sempre que a sua imagem
surgia de dentro de um rochedo,
a terra sucumbia e as algas secavam
fascinadas pela luta.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
trazia um sinal dourado numa das
pontas e um anel de prata onde
estavam gravadas todas as palavras.
Tratava-se de uma morte esperada,
decidida há muito entre os homens.
Era uma mulher que havia ressuscitado
do mar e a ele regressava com o corpo
mutilado. Sempre que a sua imagem
surgia de dentro de um rochedo,
a terra sucumbia e as algas secavam
fascinadas pela luta.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
terça-feira, 10 de janeiro de 2012
O Poeta - MIGUEL TORGA
Triste, lá vai à ronda dos segredos
O maluco que rouba quanto vê.
Branco, do coração aos dedos
É todo antenas onde apenas lê.
Murcha-lhe nos pés o rosmaninho
E a própria rosa, de o sentir, descora:
Mas é um Deus que passeia o seu caminho
A beber a amargura de quem chora.
Magro, lá passa, e lá se vai consigo
A luz das coisas e a flor de tudo.
É um bruxo lento, tenebroso e antigo,
Pálido, sério, solitário e mudo.
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
O maluco que rouba quanto vê.
Branco, do coração aos dedos
É todo antenas onde apenas lê.
Murcha-lhe nos pés o rosmaninho
E a própria rosa, de o sentir, descora:
Mas é um Deus que passeia o seu caminho
A beber a amargura de quem chora.
Magro, lá passa, e lá se vai consigo
A luz das coisas e a flor de tudo.
É um bruxo lento, tenebroso e antigo,
Pálido, sério, solitário e mudo.
EM - POESIA COMPLETA VOL. I - MIGUEL TORGA - DOM QUIXOTE
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
Recompensa - NATÁLIA CORREIA
Despedaçada na vertente duma súplica
fiquei intacta. Silente. Absoluta.
Nos meus passos mais certos os vestígios.
Nos meus olhos mais límpidas as águas.
No meu corpo mais nitidez de lírio.
Recompensa bebida na fonte dum martírio.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
fiquei intacta. Silente. Absoluta.
Nos meus passos mais certos os vestígios.
Nos meus olhos mais límpidas as águas.
No meu corpo mais nitidez de lírio.
Recompensa bebida na fonte dum martírio.
EM - POESIA COMPLETA - NATÁLIA CORREIA - DOM QUIXOTE
domingo, 8 de janeiro de 2012
Memória - JORGE SOUSA BRAGA
Invariavelmente as suas cartas
Traziam colagens de pétalas de
Rosas amores perfeitos papoilas
Sobre uma cartolina dura
E invariavelmente também um pêlo
Do púbis como assinatura
EM - A FERIDA ABERTA - JORGE SOUSA BRAGA - ASSÍRIO & ALVIM
Traziam colagens de pétalas de
Rosas amores perfeitos papoilas
Sobre uma cartolina dura
E invariavelmente também um pêlo
Do púbis como assinatura
EM - A FERIDA ABERTA - JORGE SOUSA BRAGA - ASSÍRIO & ALVIM
sábado, 7 de janeiro de 2012
6 - RICARDO REIS
Neera, passeemos juntos
Só para nos lembrarmos disto...
Depois quando envelhecermos
E nem os Deuses puderem
Dar cor às nossas faces
E mocidade aos nossos colos,
Lembremo-nos, à lareira,
Cheiinhos de pesar
O ser quebrado a fio,
Lembremo-nos, Neera,
De um dia ter passado
Sem nos termos amado...
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
Só para nos lembrarmos disto...
Depois quando envelhecermos
E nem os Deuses puderem
Dar cor às nossas faces
E mocidade aos nossos colos,
Lembremo-nos, à lareira,
Cheiinhos de pesar
O ser quebrado a fio,
Lembremo-nos, Neera,
De um dia ter passado
Sem nos termos amado...
EM - POESIA - RICARDO REIS - ASSÍRIO & ALVIM
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
Terrível Horizonte - RUY BELO
Olhai agora ao cair quotidiano da tarde
a linha humana dessa fronte
Aí qualquer coisa começa
Não há na natureza à volta tão terrível horizonte
nem nada que se pareça
EM - TODOS OS POEMAS I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
a linha humana dessa fronte
Aí qualquer coisa começa
Não há na natureza à volta tão terrível horizonte
nem nada que se pareça
EM - TODOS OS POEMAS I - RUY BELO - ASSÍRIO & ALVIM
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
12 - ÁLVARO DE CAMPOS
Chove muito, chove excessivamente...
Chove e de vez em quando faz um vento frio...
Estou triste, muito triste, como se o dia fosse eu.
Num dia no meu futuro em que chova assim também
E eu, à janela, de repente me lembre do dia de hoje,
Pensarei eu «ah nesse tempo eu era mais feliz»
Ou pensarei «ah, que tempo triste foi aquele»!
Ah, meu Deus, eu que pensarei deste dia nesse dia
E o que serei, de que forma; o que me será o passado que é hoje só presente?...
O ar está mais desagasalhado, mais frio, mais triste
E há uma grande dúvida de chumbo no meu coração...
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
Chove e de vez em quando faz um vento frio...
Estou triste, muito triste, como se o dia fosse eu.
Num dia no meu futuro em que chova assim também
E eu, à janela, de repente me lembre do dia de hoje,
Pensarei eu «ah nesse tempo eu era mais feliz»
Ou pensarei «ah, que tempo triste foi aquele»!
Ah, meu Deus, eu que pensarei deste dia nesse dia
E o que serei, de que forma; o que me será o passado que é hoje só presente?...
O ar está mais desagasalhado, mais frio, mais triste
E há uma grande dúvida de chumbo no meu coração...
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
quarta-feira, 4 de janeiro de 2012
Soneto inglês - ALEXANDRE O'NEILL
Como o silêncio do punhal num peito,
O silêncio do sangue a converter
Em fio breve o coração desfeito
Que nas pedras acaba de morrer,
Vive em mim o teu nome, tão perfeito
Que mais ninguém o pode conhecer!
É a morte que vivo e não aceito;
É a vida que espero não perder.
Viver a vida e não viver a morte;
Procurar noutros olhos a medida,
Vencer o tempo, dominar a sorte,
Atraiçoar a morte com a vida!
Depois de morrer de coração aberto
E no sangue o teu nome já liberto...
EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O'NEILL - ASSÍRIO & ALVIM
O silêncio do sangue a converter
Em fio breve o coração desfeito
Que nas pedras acaba de morrer,
Vive em mim o teu nome, tão perfeito
Que mais ninguém o pode conhecer!
É a morte que vivo e não aceito;
É a vida que espero não perder.
Viver a vida e não viver a morte;
Procurar noutros olhos a medida,
Vencer o tempo, dominar a sorte,
Atraiçoar a morte com a vida!
Depois de morrer de coração aberto
E no sangue o teu nome já liberto...
EM - POESIAS COMPLETAS - ALEXANDRE O'NEILL - ASSÍRIO & ALVIM
terça-feira, 3 de janeiro de 2012
O regresso - MANUEL ANTÓNIO PINA
Matéria, corvo
comedor de crias.
Um rio árduo corre
fora de si mesmo.
É tarde em qualquer parte
como se eu lá estivesse.
Volto para casa,
imóvel foz de sangue.
O coração é feito
de ardentes sedas
por que respira a morte,
os sonhos feitos de outros sonhos.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
comedor de crias.
Um rio árduo corre
fora de si mesmo.
É tarde em qualquer parte
como se eu lá estivesse.
Volto para casa,
imóvel foz de sangue.
O coração é feito
de ardentes sedas
por que respira a morte,
os sonhos feitos de outros sonhos.
EM - POESIA REUNIDA - MANUEL ANTÓNIO PINA - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
Tormento - DULCE ANTUNES
Escrevo o verso
que me mastiga o tempo
respiro o incenso das palavras
trago com elas a cruz que me embala o peito
Tenho em mim o grito
de todas as tormentas
pelas mãos que desenham a alma
nelas me embalo
com elas bebo as lágrimas
que tristemente tatuaste em meu corpo
EM - POEMA EM TI - DULCE ANTUNES - TEMAS ORIGINAIS
que me mastiga o tempo
respiro o incenso das palavras
trago com elas a cruz que me embala o peito
Tenho em mim o grito
de todas as tormentas
pelas mãos que desenham a alma
nelas me embalo
com elas bebo as lágrimas
que tristemente tatuaste em meu corpo
EM - POEMA EM TI - DULCE ANTUNES - TEMAS ORIGINAIS
domingo, 1 de janeiro de 2012
Visão quatro - JAIME ROCHA
Depois, pela madrugada, nasceu um monstro
com uma só asa e nela, totalmente roxo,
poisava um corpo de mulher. O homem
decidiu que incendiaria a água, mas não o
conseguiu.Por isso edificou uma muralha
onde colocou lâminas e pequenos orifícios.
Era um velho pedreiro. Naquele lugar havia
um túmulo e, a seus pés, uma argola de ferro.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
com uma só asa e nela, totalmente roxo,
poisava um corpo de mulher. O homem
decidiu que incendiaria a água, mas não o
conseguiu.Por isso edificou uma muralha
onde colocou lâminas e pequenos orifícios.
Era um velho pedreiro. Naquele lugar havia
um túmulo e, a seus pés, uma argola de ferro.
EM - OS QUE VÃO MORRER - JAIME ROCHA - RELÓGIO D'ÁGUA
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