Sempre gostei do amarelo...
luz, descontracção,
energia, a cor do verão,
só que o tempo passou
e precisei de mais cor...
Transformei-me
e na metamorfose
virei vermelho...
vermelho paixão,
desejo, amor,
calor, atracção,
a cor do sangue,
cor do coração!
EM - DESABAFOS D'ALMA - ANA CASANOVA - MOVANDART
quarta-feira, 31 de julho de 2013
terça-feira, 30 de julho de 2013
Sabes o meu nome?... - PAULO EDUARDO CAMPOS
sabes o meu nome?
gritou da varanda
enquanto os panfletos voavam
pelos ares.
o último navio partia do cais.
no chão, um agoirento pássaro ferido.
regressou a casa,
corpo em ardente sossego
enquanto as folhas voavam pelos ares.
um corpo nunca se entrega,
é uma sombra que não pode ser transposta.
um gato preto a fugir na rua é um mau agoiro.
pela primeira vez, acreditou no destino,
na compatibilidade dos signos,
na harmonia dos astros.
pela primeira vez escreveu a palavra amor.
pela primeira vez sentiu uma dor lancinante
no coração
a primeira vez em que tudo parecia estar bem.
EM - A CASA DOS ARCHOTES - PAULO EDUARDO CAMPOS - LUA DE MARFIM
gritou da varanda
enquanto os panfletos voavam
pelos ares.
o último navio partia do cais.
no chão, um agoirento pássaro ferido.
regressou a casa,
corpo em ardente sossego
enquanto as folhas voavam pelos ares.
um corpo nunca se entrega,
é uma sombra que não pode ser transposta.
um gato preto a fugir na rua é um mau agoiro.
pela primeira vez, acreditou no destino,
na compatibilidade dos signos,
na harmonia dos astros.
pela primeira vez escreveu a palavra amor.
pela primeira vez sentiu uma dor lancinante
no coração
a primeira vez em que tudo parecia estar bem.
EM - A CASA DOS ARCHOTES - PAULO EDUARDO CAMPOS - LUA DE MARFIM
segunda-feira, 29 de julho de 2013
Presente - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA
Corto o laço
a fita
Ponta por ponta
retiro o papel dourado
que envolve o teu corpo
E nele
me perco.
EM - ENCONTRO-ME NAS PALAVRAS - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - TEMAS ORIGINAIS
a fita
Ponta por ponta
retiro o papel dourado
que envolve o teu corpo
E nele
me perco.
EM - ENCONTRO-ME NAS PALAVRAS - MARIA ANTONIETA OLIVEIRA - TEMAS ORIGINAIS
domingo, 28 de julho de 2013
Ter a força de ser... - AGRIPINA COSTA MARQUES
Ter a força de ser
aquém de ti no Outro
calar a solidão
que habita em teu redor
apagar o teu rosto
pelos rostos alheios
louvar neles a Deus
sem cuidar de saber
se Deus te olvida a ti.
EM - MORADA RECÔNDITA - AGRIPINA COSTA MARQUES - LUA DE MARFIM
aquém de ti no Outro
calar a solidão
que habita em teu redor
apagar o teu rosto
pelos rostos alheios
louvar neles a Deus
sem cuidar de saber
se Deus te olvida a ti.
EM - MORADA RECÔNDITA - AGRIPINA COSTA MARQUES - LUA DE MARFIM
sábado, 27 de julho de 2013
Grou - VITOR CINTRA
No seu voo
sobre as montanhas,
arrasta a minha alma
e leva-a
até mergulhar nas brumas
do sonho impossível
dum amor inacabado.
E, grou,
quando
no teu voo elegante
planares,
sobre florestas de desânimo
ou penhascos de solidão,
aponta-lhe os trilhos dos penitentes
e deixa-a
para cumprir
o seu carma de insanidade,
nos suspiros do silêncio
que o meu coração respirou.
EM - PEDAÇOS DO MEU SENTIR - VITOR CINTRA - TEMAS ORIGINAIS
sobre as montanhas,
arrasta a minha alma
e leva-a
até mergulhar nas brumas
do sonho impossível
dum amor inacabado.
E, grou,
quando
no teu voo elegante
planares,
sobre florestas de desânimo
ou penhascos de solidão,
aponta-lhe os trilhos dos penitentes
e deixa-a
para cumprir
o seu carma de insanidade,
nos suspiros do silêncio
que o meu coração respirou.
EM - PEDAÇOS DO MEU SENTIR - VITOR CINTRA - TEMAS ORIGINAIS
sexta-feira, 26 de julho de 2013
A cor de Braga - MARIA TERESA DIAS FURTADO
para Barbara Köhler, Maria do Sameiro e João Artur Pinto
Em Braga estive na Brasileira Barbara Köhler
não estava lá apenas o seu livro cor responde
pra cá & pra lá folheando muitos melancólicos
ali reformados no sossego do desassossego já
o editor da Labirinto folheou o livro pra cá &
pra lá a poeta Maria do Sameiro soube que o
traço é mistura de café com cevada calor em
Abril a Avenida e a Arcada a Rua dos Chãos
os olhos deslumbram-se e as palavras postas
em movimento na Feira do Livro um poeta
do Lima Maria do Sameiro explosão de poesia
e Maria Teresa no Ritmo de palavras tingidas
de sol o calor do público cor responde crianças
adultos ouvem caras sorridentes amáveis nem os
espelhos da Brasileira prendem essas imagens.
EM - O ARCO DO TEMPO - MARIA TERESA DIAS FURTADO - LUA DE MARFIM
Em Braga estive na Brasileira Barbara Köhler
não estava lá apenas o seu livro cor responde
pra cá & pra lá folheando muitos melancólicos
ali reformados no sossego do desassossego já
o editor da Labirinto folheou o livro pra cá &
pra lá a poeta Maria do Sameiro soube que o
traço é mistura de café com cevada calor em
Abril a Avenida e a Arcada a Rua dos Chãos
os olhos deslumbram-se e as palavras postas
em movimento na Feira do Livro um poeta
do Lima Maria do Sameiro explosão de poesia
e Maria Teresa no Ritmo de palavras tingidas
de sol o calor do público cor responde crianças
adultos ouvem caras sorridentes amáveis nem os
espelhos da Brasileira prendem essas imagens.
EM - O ARCO DO TEMPO - MARIA TERESA DIAS FURTADO - LUA DE MARFIM
quinta-feira, 25 de julho de 2013
União - JOÃO CARLOS ESTEVES
O mar calou-se perante o meu pranto
o vento deitou-se a meus pés
em silêncio
Acariciei as mãos de espuma salgada
que me beijam as lágrimas perdidas
Abracei o ar silencioso
que me embala na doçura da brisa
Fiz-me uno no sopro das águas
e adormeci
a tempestade sem dor
EM - GOTAS DE SILÊNCIO - JOÃO CARLOS ESTEVES - TEMAS ORIGINAIS
o vento deitou-se a meus pés
em silêncio
Acariciei as mãos de espuma salgada
que me beijam as lágrimas perdidas
Abracei o ar silencioso
que me embala na doçura da brisa
Fiz-me uno no sopro das águas
e adormeci
a tempestade sem dor
EM - GOTAS DE SILÊNCIO - JOÃO CARLOS ESTEVES - TEMAS ORIGINAIS
quarta-feira, 24 de julho de 2013
Não há dias... - AMADEU BAPTISTA
Não há dias propícios para os fulgores
mortais. Vem-se à terra por uma vereda
acrisolada, com as mãos ininterruptas,
e faz-se a boca diagrama das casas,
sapiência de ver e de sentir, caladamente.
Depois, há só como pensar em tudo em volta
e ver os córregos, as nuvens mansas, a prata
dos telhados, sendo por essa liturgia do silêncio
que há-de ir-se um homem em busca das palavras,
para as sentir e ampliar nos campos e na infância,
enquanto a terra revolve os seus cilícios
de treva e de raízes, a congraçar na cabeça
uma rede de brilhos opacos e translúcidos
em cada pedra.
EM - ATLAS DAS CIRCUNSTÂNCIAS - AMADEU BAPTISTA - LUA DE MARFIM
mortais. Vem-se à terra por uma vereda
acrisolada, com as mãos ininterruptas,
e faz-se a boca diagrama das casas,
sapiência de ver e de sentir, caladamente.
Depois, há só como pensar em tudo em volta
e ver os córregos, as nuvens mansas, a prata
dos telhados, sendo por essa liturgia do silêncio
que há-de ir-se um homem em busca das palavras,
para as sentir e ampliar nos campos e na infância,
enquanto a terra revolve os seus cilícios
de treva e de raízes, a congraçar na cabeça
uma rede de brilhos opacos e translúcidos
em cada pedra.
EM - ATLAS DAS CIRCUNSTÂNCIAS - AMADEU BAPTISTA - LUA DE MARFIM
terça-feira, 23 de julho de 2013
Vazios - ALEXANDRE CARVALHO
Lutamos por preencher a nossa vida
preencher com amigos e amigas
abraçar com verdadeira amizade
amizade para uns
amor para outros.
De repente, o vento da incerteza,
fecha a porta
tranca janelas...
diz a sapiência do filósofo
que há sempre uma brecha
luminosa, para dar clareza.
E quando uma porta se fecha,
outra se abrirá...
EM - CAVALETE COM POESIA - ALEXANDRE CARVALHO - UNIVERSUS
preencher com amigos e amigas
abraçar com verdadeira amizade
amizade para uns
amor para outros.
De repente, o vento da incerteza,
fecha a porta
tranca janelas...
diz a sapiência do filósofo
que há sempre uma brecha
luminosa, para dar clareza.
E quando uma porta se fecha,
outra se abrirá...
EM - CAVALETE COM POESIA - ALEXANDRE CARVALHO - UNIVERSUS
segunda-feira, 22 de julho de 2013
HAIKUS - CASIMIRO DE BRITO
98
Mãos vegetais -
raízes de árvores invisíveis
trepando nas veias
99
Hotel de cinco estrelas.
À noite, no meu terraço,
contemplo as outras
100
Lágrimas que são
cascata pura. Outras vezes
avalanche mortal
EM - A BOCA NA FONTE - CASIMIRO DE BRITO - LUA DE MARFIM
domingo, 21 de julho de 2013
Audaz fantasia - JESSICA NEVES
Com as minhas mãos
Construí um céu de asas
Derrubei o muro da maldade
Tracei novos caminhos, ergui casas
Colhi olhares, sorrisos, simplicidade...
Fui mais além
De mão em mão, construí laços
Pratiquei o bem
Distribuí abraços!
Não quis voltar atrás
Ao tempo da inveja, da injustiça e do rancor
Preferi (ter) gente saudável cultivando a paz
A união, a amizade e o amor!
Soltei máscaras e em cada rosto senti cetim
Construí barcos em folhas de papel
Plantei mil e uma flores à volta do meu jardim
Extraí do coração das crianças todo o mel
Alcancei a felicidade, com pozinhos de perlimpimpim!
Desapertei o peito trancado com ferrolhos
Achei um lugar perfeito ao pôr-do-sol
Trouxe-te para junto de mim
Toquei o arco-íris nos teus olhos
Prometi amar-te para lá do fim...
Escrevi páginas e páginas
Numa tela repartida
Pinceladas de cores genuínas...
Num livro marquei a história
Da minha paixão pela vida!
Nas asas poéticas do sonho
Posso ser quem eu quiser
Pedaço de céu risonho
Fada. menina-mulher!
EM - AUDAZ FANTASIA - ANTOLOGIA - UNIVERSUS
Construí um céu de asas
Derrubei o muro da maldade
Tracei novos caminhos, ergui casas
Colhi olhares, sorrisos, simplicidade...
Fui mais além
De mão em mão, construí laços
Pratiquei o bem
Distribuí abraços!
Não quis voltar atrás
Ao tempo da inveja, da injustiça e do rancor
Preferi (ter) gente saudável cultivando a paz
A união, a amizade e o amor!
Soltei máscaras e em cada rosto senti cetim
Construí barcos em folhas de papel
Plantei mil e uma flores à volta do meu jardim
Extraí do coração das crianças todo o mel
Alcancei a felicidade, com pozinhos de perlimpimpim!
Desapertei o peito trancado com ferrolhos
Achei um lugar perfeito ao pôr-do-sol
Trouxe-te para junto de mim
Toquei o arco-íris nos teus olhos
Prometi amar-te para lá do fim...
Escrevi páginas e páginas
Numa tela repartida
Pinceladas de cores genuínas...
Num livro marquei a história
Da minha paixão pela vida!
Nas asas poéticas do sonho
Posso ser quem eu quiser
Pedaço de céu risonho
Fada. menina-mulher!
EM - AUDAZ FANTASIA - ANTOLOGIA - UNIVERSUS
sábado, 20 de julho de 2013
Zombaria - GRAÇA PIRES
Podem zombar de nós aqueles que não gritam nem choram nem imploram à vida a fé que já perderam. Podem inventar teorias sobre a sorte e rezar a um deus qualquer como autómatos da fria engrenagem deste tempo. Podem ostentar nos dedos os anéis da indiferença e usar em pleno peito os adereços inúteis da bondade. Podem zombar de nós. Trazemos a transgressão perto do sangue e um vendaval na voz a bradar o sonho desmedido dos poetas.
EM - CADERNO DE SIGNIFICADOS - GRAÇA PIRES - LUA DE MARFIM
sexta-feira, 19 de julho de 2013
XLIII - DANIEL AFONSO
disseste que era o findar do dia
é o acordar da noite
como o dia
dorme enquanto a luz incendeia a terra
luz vertical
deslizante
ao fogo crepuscular
vives onde a noite acorda
mar imenso
largo e espumoso
vagueias pelo final da tarde
despedes-te da luz
recebes a noite que acorda do seu silêncio
a noite é uma infinidade de estrelas
astros pendurados nas órbitas celestes
a noite acorda
nascerá o dia pleno
EM - DIAS DE SETEMBRO - DANIEL AFONSO - UNIVERSUS
quinta-feira, 18 de julho de 2013
Comunhão - ANTERO DE QUENTAL
Reprimirei meu pranto!... Considera
Quantos, minh'alma, antes de nós vagaram,
Quantas as mãos incertas levantaram
Sob este mesmo céu de luz austera!...
- Luz morte! amarga a própria primavera! -
Mas seus pacientes corações lutaram,
Crentes só por instinto, e se apoiaram
Na obscura e heróica fé, que os retempera...
E sou eu mais do que eles? igual fado
Me prende à lei de ignotas multidões. -
Seguirei meu caminho confiado,
Entre esses vultos mudos, mas amigos,
Na humilde fé de obscuras gerações,
Na comunhão dos nossos pais antigos.
EM - SONETOS - ANTERO DE QUENTAL - ULMEIRO
Quantos, minh'alma, antes de nós vagaram,
Quantas as mãos incertas levantaram
Sob este mesmo céu de luz austera!...
- Luz morte! amarga a própria primavera! -
Mas seus pacientes corações lutaram,
Crentes só por instinto, e se apoiaram
Na obscura e heróica fé, que os retempera...
E sou eu mais do que eles? igual fado
Me prende à lei de ignotas multidões. -
Seguirei meu caminho confiado,
Entre esses vultos mudos, mas amigos,
Na humilde fé de obscuras gerações,
Na comunhão dos nossos pais antigos.
EM - SONETOS - ANTERO DE QUENTAL - ULMEIRO
quarta-feira, 17 de julho de 2013
O ventre - MARIA TERESA HORTA
Repositório do corpo
e taça dos seus líquidos
é o ventre o repouso sobre a cama
Mas é também o acto
e o motivo
ternura lenta que a língua planeia
É a chama do corpo
é o susto é aquilo
é tudo o que inventar se possa na vontade
Tão depressa mármore
como vidro
tão depressa mar como ansiedade
EM - AS PALAVRAS DO CORPO - MARIA TERESA HORTA - DOM QUIXOTE
e taça dos seus líquidos
é o ventre o repouso sobre a cama
Mas é também o acto
e o motivo
ternura lenta que a língua planeia
É a chama do corpo
é o susto é aquilo
é tudo o que inventar se possa na vontade
Tão depressa mármore
como vidro
tão depressa mar como ansiedade
EM - AS PALAVRAS DO CORPO - MARIA TERESA HORTA - DOM QUIXOTE
terça-feira, 16 de julho de 2013
Manuscrito de 1978 - JOSÉ ALBERTO OLIVEIRA
Acabava o tempo em que os objectos
encontravam um sítio virtual,
que parecia definitivo,
quando percebeu que a miséria
não era apenas dissonância, erro,
umas contas por pagar, peixe frito,
três rodadas de bagaço e um cigarro
esquecido, com o mortão caindo
na folha onde os mesmos objectos
esperavam arrumação,
ainda que efémera, banal,
a que fosse possível.
EM - NADA TÃO IMPORTANTE, QUE NÂO POSSA SER DITO - JOSÉ ALBERTO OLIVEIRA - ASSÍRIO & ALVIM
encontravam um sítio virtual,
que parecia definitivo,
quando percebeu que a miséria
não era apenas dissonância, erro,
umas contas por pagar, peixe frito,
três rodadas de bagaço e um cigarro
esquecido, com o mortão caindo
na folha onde os mesmos objectos
esperavam arrumação,
ainda que efémera, banal,
a que fosse possível.
EM - NADA TÃO IMPORTANTE, QUE NÂO POSSA SER DITO - JOSÉ ALBERTO OLIVEIRA - ASSÍRIO & ALVIM
segunda-feira, 15 de julho de 2013
Amávamos ambos... - MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA
Amávamos ambos as falésias, o recorte das escarpas,
o desenho irregular dos promontórios; todos os lugares
que, como as ilhas, são agastados pelo mar e pelos ventos.
Não havia neblina nessa noite. Apenas a luz opaca
de um farol atormentando as estrelas. Disseste
quase nada para não ferires um atordoado silêncio
interior. E tocaste-me rimeira vez os seios
como se disso, para sempre, fosses ter medo.
Abandonaste a praia logo que chegou o primeiro pescador:
a primeira lanterna,
a primeira rede.
EM - POESIA REUNIDA - MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA - QUETZAL
o desenho irregular dos promontórios; todos os lugares
que, como as ilhas, são agastados pelo mar e pelos ventos.
Não havia neblina nessa noite. Apenas a luz opaca
de um farol atormentando as estrelas. Disseste
quase nada para não ferires um atordoado silêncio
interior. E tocaste-me rimeira vez os seios
como se disso, para sempre, fosses ter medo.
Abandonaste a praia logo que chegou o primeiro pescador:
a primeira lanterna,
a primeira rede.
EM - POESIA REUNIDA - MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA - QUETZAL
domingo, 14 de julho de 2013
O que fez sentido - GASTÃO CRUZ
Reformulamos o amor porém a fórmula
não existia como repeti-la?
É preciso criar um eco ambíguo
que deixe de ser eco e tome a forma
do que viver possa ter sido:
encontraremos restos do sentido
que num instante incerto alguma coisa fez
e nunca poderá ser repetido
EM - ESCARPAS - GASTÃO CRUZ - ASSÍRIO & ALVIM
não existia como repeti-la?
É preciso criar um eco ambíguo
que deixe de ser eco e tome a forma
do que viver possa ter sido:
encontraremos restos do sentido
que num instante incerto alguma coisa fez
e nunca poderá ser repetido
EM - ESCARPAS - GASTÃO CRUZ - ASSÍRIO & ALVIM
sábado, 13 de julho de 2013
Pregadeira - ANA MARQUES GASTÃO
Cozo o botão
a linha de sangue
prego-o à página
cedo à seda.
Semeio outro nó.
Lesto, embalo-o
ao peito, digo:
meu anjo e anseio,
sou uma pregadeira
de aço e pó.
EM - ADORNOS - ANA MARQUES GASTÃO - DOM QUIXOTE
a linha de sangue
prego-o à página
cedo à seda.
Semeio outro nó.
Lesto, embalo-o
ao peito, digo:
meu anjo e anseio,
sou uma pregadeira
de aço e pó.
EM - ADORNOS - ANA MARQUES GASTÃO - DOM QUIXOTE
sexta-feira, 12 de julho de 2013
Manias - CESÁRIO VERDE
O mundo é velha cena ensanguentada,
coberta de remendos, picaresca;
a vida é chula farsa assobiada,
ou selvagem tragédia romanesca.
Eu sei um bom rapaz, - hoje uma ossada -,
que amava certa dama pedantesca,
perversíssima, esquálica e chagada,
mas cheia de jactância quixotesca.
Aos domingos a deia já rugosa,
concedia-lhe o braço, com preguiça,
e o dengue, em atitude receosa,
na sugestão canina mais submissa,
levava na tremente mão nervosa,
o livro com que a amante ia ouvir missa!
EM - OBRA COMPLETA - CESÁRIO VERDE - LIVROS HORIZONTE
coberta de remendos, picaresca;
a vida é chula farsa assobiada,
ou selvagem tragédia romanesca.
Eu sei um bom rapaz, - hoje uma ossada -,
que amava certa dama pedantesca,
perversíssima, esquálica e chagada,
mas cheia de jactância quixotesca.
Aos domingos a deia já rugosa,
concedia-lhe o braço, com preguiça,
e o dengue, em atitude receosa,
na sugestão canina mais submissa,
levava na tremente mão nervosa,
o livro com que a amante ia ouvir missa!
EM - OBRA COMPLETA - CESÁRIO VERDE - LIVROS HORIZONTE
quinta-feira, 11 de julho de 2013
As palavras não-amadas - ANA HATHERLY
As palavras não-amadas
desgastam-se
como películas usadas
pela desatenção do tempo
As palavras não-amadas
tornam-se vagas testemunhas
de um esplendor desprezado
vagueiam sem sentido
como solitárias carpas
no aquário do tempo
A marca do vivido
auto-usa-se
quando não acreditamos mais
EM - O PAVÃO NEGRO - ANA HATHERLY - ASSÍRIO & ALVIM
desgastam-se
como películas usadas
pela desatenção do tempo
As palavras não-amadas
tornam-se vagas testemunhas
de um esplendor desprezado
vagueiam sem sentido
como solitárias carpas
no aquário do tempo
A marca do vivido
auto-usa-se
quando não acreditamos mais
EM - O PAVÃO NEGRO - ANA HATHERLY - ASSÍRIO & ALVIM
quarta-feira, 10 de julho de 2013
Antes do big-bang - NUNO JÚDICE
No talho, entre as iscas e as galinhas
mortas, os pés e as línguas de vaca, o borrego
e o pato, o homem afiava a lâmina
para cortar a carne. Um som frio atravessou
o ar, e para me distrair peguei num ovo
do campo e pu-lo contra o sol. Um
planeta? Um simples asteróide bem
calibrado? Mas o som parou; e fiquei
com o ovo na mão, pensando que a esfera
do universo é frágil quando o silêncio
a envolve, e a génese depende do instante
em que deixo cair o ovo.
EM - GUIA DE CONCEITOS BÁSICOS - NUNO JÚDICE - DOM QUIXOTE
mortas, os pés e as línguas de vaca, o borrego
e o pato, o homem afiava a lâmina
para cortar a carne. Um som frio atravessou
o ar, e para me distrair peguei num ovo
do campo e pu-lo contra o sol. Um
planeta? Um simples asteróide bem
calibrado? Mas o som parou; e fiquei
com o ovo na mão, pensando que a esfera
do universo é frágil quando o silêncio
a envolve, e a génese depende do instante
em que deixo cair o ovo.
EM - GUIA DE CONCEITOS BÁSICOS - NUNO JÚDICE - DOM QUIXOTE
terça-feira, 9 de julho de 2013
Estatística - ANTÓNIO GEDEÃO
Quando eu nasci havia em Portugal
(em Portugal continental
e nas ridentes,
verdes e calmas
ilhas adjacentes)
uns seis milhões e umas tantas mil almas.
Assim se lia
no meu livrinho de Corografia
de António Eusébio de Morais Soajos.
Hoje, graças aos progressos da Higiene e da Pedagogia,
já somos quase dez milhões de gajos.
EM - OBRA COMPLETA - ANTÓNIO GEDEÃO - RELÓGIO D'ÁGUA
(em Portugal continental
e nas ridentes,
verdes e calmas
ilhas adjacentes)
uns seis milhões e umas tantas mil almas.
Assim se lia
no meu livrinho de Corografia
de António Eusébio de Morais Soajos.
Hoje, graças aos progressos da Higiene e da Pedagogia,
já somos quase dez milhões de gajos.
EM - OBRA COMPLETA - ANTÓNIO GEDEÃO - RELÓGIO D'ÁGUA
segunda-feira, 8 de julho de 2013
Poema - ANTÓNIO MEGA FERREIRA
Uma nota só, de desordem persistente,
a vibrar no abismo das coisas,
no mapa dos delitos;
acarinhando o pequeno remorso precioso
dos fins por atingir;
dobrando o tempo numa curvatura baixa
que cinge os tornozelos
da fugidia esfinge;
uma nota só, de correcção insidiosa,
na dádiva natural do tempo já vivido,
de dor aflitiva pela palidez das coisas
e o seu nome por dizer.
Falando sempre, sempre lamentando
o que ficou por dizer.
EM - O TEMPO QUE NOS CABE - ANTÓNIO MEGA FERREIRA - ASSÍRIO & ALVIM
a vibrar no abismo das coisas,
no mapa dos delitos;
acarinhando o pequeno remorso precioso
dos fins por atingir;
dobrando o tempo numa curvatura baixa
que cinge os tornozelos
da fugidia esfinge;
uma nota só, de correcção insidiosa,
na dádiva natural do tempo já vivido,
de dor aflitiva pela palidez das coisas
e o seu nome por dizer.
Falando sempre, sempre lamentando
o que ficou por dizer.
EM - O TEMPO QUE NOS CABE - ANTÓNIO MEGA FERREIRA - ASSÍRIO & ALVIM
domingo, 7 de julho de 2013
25 - PEDRO TAMEN
Não é qualquer ilusão
se estes olhos com que vejo,
olhos brancos e doirados,
revelam que o que faço
me faz a mim, me desvela,
à vela numa viagem
onde não há outro porto
que o mesmo de viajar:
mas o que vejo e revejo,
se me salva e me transporta,
existe aqui com as cores
que não fui eu que lhe dei.
EM - O LIVRO DO SAPATEIRO - PEDRO TAMEN - DOM QUIXOTE
se estes olhos com que vejo,
olhos brancos e doirados,
revelam que o que faço
me faz a mim, me desvela,
à vela numa viagem
onde não há outro porto
que o mesmo de viajar:
mas o que vejo e revejo,
se me salva e me transporta,
existe aqui com as cores
que não fui eu que lhe dei.
EM - O LIVRO DO SAPATEIRO - PEDRO TAMEN - DOM QUIXOTE
sábado, 6 de julho de 2013
Os emigrados - ÁLVARO DE CAMPOS
Sós nas grandes cidades desamigas,
sem falar a língua que se fala nem a que se pensa,
mutilados da relação com os outros,
que depois contarão na pátria os triunfos sua estada.
Coitados dos que conquistam Londres e Paris!
Voltam ao lar sem melhores maneiras nem melhores caras
apenas sonharam de perto o que viram -
permanentemente estrangeiros.
Mas não rio deles. Tenho eu feito outra coisa com o ideal?
E o propósito que uma vez formei num hotel, planeando a legenda?
É um dos pontos negros da biografia que não tive.
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
sem falar a língua que se fala nem a que se pensa,
mutilados da relação com os outros,
que depois contarão na pátria os triunfos sua estada.
Coitados dos que conquistam Londres e Paris!
Voltam ao lar sem melhores maneiras nem melhores caras
apenas sonharam de perto o que viram -
permanentemente estrangeiros.
Mas não rio deles. Tenho eu feito outra coisa com o ideal?
E o propósito que uma vez formei num hotel, planeando a legenda?
É um dos pontos negros da biografia que não tive.
EM - POESIA - ÁLVARO DE CAMPOS - ASSÍRIO & ALVIM
sexta-feira, 5 de julho de 2013
Da incerta luz - JOÃO RUI DE SOUSA
Na margem dita do escuro
na sombra dita da erva
no esconso dito de um muro
um foco aponta e conserva
a destreza que desregra
os canteiros do absurdo
- a propensão de quem quebra
a cerração que nos cega
quando o quebranto é mais fundo.
EM - LAVRA E POUSIO - JOÃO RUI DE SOUSA - DOM QUIXOTE
na sombra dita da erva
no esconso dito de um muro
um foco aponta e conserva
a destreza que desregra
os canteiros do absurdo
- a propensão de quem quebra
a cerração que nos cega
quando o quebranto é mais fundo.
EM - LAVRA E POUSIO - JOÃO RUI DE SOUSA - DOM QUIXOTE
quinta-feira, 4 de julho de 2013
Maio 68 - DAVID MOURÃO-FERREIRA
Vê-se daqui o rasto dos anjos em revolta
erguendo barricadas em cada boulevar
Que não seja um poeta levado sob escolta
o primeiro cativo num presídio lunar
EM - MATURA IDADE - DAVID MOURÃO-FERREIRA - ARCÁDIA
erguendo barricadas em cada boulevar
Que não seja um poeta levado sob escolta
o primeiro cativo num presídio lunar
EM - MATURA IDADE - DAVID MOURÃO-FERREIRA - ARCÁDIA
quarta-feira, 3 de julho de 2013
Volume de livros - TERESA M.G. JARDIM
Bati com a porta atrás do poema.
Os dedos trilhados pela segunda vez
num só dia, inspiram alguma cautela.
Foram-se os dedos, ficaram os anéis,
a sensação de não conseguir passar
com o corpo todo, o volume de livros
debaixo do braço.
E o peso que os livros ganham
quando arrumados num saco, numa caixa
na memória?
EM - JOGOS RADICAIS - TERESA M.G JARDIM - ASSÍRIO & ALVIM
Os dedos trilhados pela segunda vez
num só dia, inspiram alguma cautela.
Foram-se os dedos, ficaram os anéis,
a sensação de não conseguir passar
com o corpo todo, o volume de livros
debaixo do braço.
E o peso que os livros ganham
quando arrumados num saco, numa caixa
na memória?
EM - JOGOS RADICAIS - TERESA M.G JARDIM - ASSÍRIO & ALVIM
terça-feira, 2 de julho de 2013
Solidão - ato I - GLEIDSTON CÉSAR
"Na vida há caminhos que exigem
silêncios para serem percorridos."
Então ela cosia seus pensamentos
enquanto suas ideias talhadas,
magras e pálidas
limpavam o pó das lembranças
da primavera e do verão.
Tinha esperança
de que uma negra solidão
não atingira o inverno da sua alma.
Se tal ocorresse,
seus galhos imaginários
morreriam embriagados
prlo frio do inverno.
Mas no seu olhar
havia uma melancolia absurda,
e quando o fixava no meu,
o reflexo que me apercebia
era quase imperceptível.
Havia nele algo do presente
talvez fosse a minha presença.
Sabia que, no fundo,
a sua alma estava embriagada pela solidão,
e o seu olhar
ainda demonstrava uma profunda desilusão.
Porque trazia nas suas lembranças
o mar e o sal das lágrimas,
era nordeste, densa, tão mar
quanto as suas memórias.
Mas no seu íntimo
sabia que não era só solidão
ou vales
mas que também
possuía asas para sobrevoar.
EM - FRESTAS - GLEIDSTON CÉSAR - MULTIFOCO-FUTURARTE
silêncios para serem percorridos."
Então ela cosia seus pensamentos
enquanto suas ideias talhadas,
magras e pálidas
limpavam o pó das lembranças
da primavera e do verão.
Tinha esperança
de que uma negra solidão
não atingira o inverno da sua alma.
Se tal ocorresse,
seus galhos imaginários
morreriam embriagados
prlo frio do inverno.
Mas no seu olhar
havia uma melancolia absurda,
e quando o fixava no meu,
o reflexo que me apercebia
era quase imperceptível.
Havia nele algo do presente
talvez fosse a minha presença.
Sabia que, no fundo,
a sua alma estava embriagada pela solidão,
e o seu olhar
ainda demonstrava uma profunda desilusão.
Porque trazia nas suas lembranças
o mar e o sal das lágrimas,
era nordeste, densa, tão mar
quanto as suas memórias.
Mas no seu íntimo
sabia que não era só solidão
ou vales
mas que também
possuía asas para sobrevoar.
EM - FRESTAS - GLEIDSTON CÉSAR - MULTIFOCO-FUTURARTE
segunda-feira, 1 de julho de 2013
Em um retrato - CAMILO PESSANHA
De sob o cómodo quadrangular
Da terra fresca que me há-de inhumar,
E depois de já muito ter chovido,
Quando a herva alastrar com o olvido,
Ainda, amigo, o mesmo meu olhar
Há-de ir humilde, atravessando o mar,
Envolver-te de preito enternecido,
Como o de um pobre cão agradecido.
EM - CLEPSYDRA - CAMILO PESSANHA - RELÓGIO D'ÁGUA
Da terra fresca que me há-de inhumar,
E depois de já muito ter chovido,
Quando a herva alastrar com o olvido,
Ainda, amigo, o mesmo meu olhar
Há-de ir humilde, atravessando o mar,
Envolver-te de preito enternecido,
Como o de um pobre cão agradecido.
EM - CLEPSYDRA - CAMILO PESSANHA - RELÓGIO D'ÁGUA
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